Mas vamos andando...
Estrada branca, naturalmente!
Nem tarde, nem cedo, à hora que nos apeteceu, porque isto sim são as férias e assim é que sabe bem, saímos de Danilovgrad, já com o pequeno-almoço tomado. Como de costume o azimute foi tirado, ainda à mesa, pelas estradas brancas mais brancas que haviam e, como quase sempre até agora, apanhamos umas estradas brilhantes de montanha e meios rurais, por meio de campos de cultivo, a subir, com uma vista esplendorosa e ribanceiras de meter medo ou rodeados de vegetação que nos absorvia no seu verde forte e fresco. Estava bom tempo, sol, calor, curvas e estradas estreitas; tudo perfeito.
Neste troço, a primeira paragem que me recordo foi num sítio que julgamos perto de alguma fronteira pela matrícula de um veículo... bem, mais à frente descrevo o veículo, no único estabelecimento comercial que avistamos em quilómetros. Lá pedimos água fresca, por gestos que por aquelas paragens estrangeiros só os da televisão – se é que havia disso, só ouvi um rádio a tocar.
Nesta paragem, enquanto observávamos um rebanho e os habitantes de uma casa praticamente em ruínas, avó e dois netos pequeninos – que deu umas boas fotos – apareceu uma família, num carro, de matrícula estrangeira que pareceu ser da Bósnia que não consegui perceber como ainda circulava. Todo soldado, amassado, com buracos na chapa, chassis deformado e suspensão, devia ter tido nos tempos a seguir ao fabrico, porque agora, não tinha com certeza, a julgar pela distância do carro ao chão.
A tal família vinha fazer as compras do mês. Acho eu. Ao saírem do carro, o condutor, começou a falar com os restantes membros, na língua local, mas consegui perceber que admiravam as motos – estavam a olhar e a apontar para elas, pois claro – e falavam em "cardanni", apontando... presumimos que falassem dos cardan das BMW em maioria... Seria que era um profundo conhecedor de mecânica? Facto: com um carro naquele estado que ainda circulava ou era um ou conhecia um! Tentamos estabelecer diálogo, mas só por gestos e sorrisos e... poucos desenvolvimentos.
Carregaram – ainda mais – o carro com paletes e paletes de gasosa apenas, despediram-se sorrindo e acenando o universal sinal de fixe e com o polegar erecto e apontando as motos, meteram-se no carro, arrancaram com alguma dificuldade e desapareceram numa curva da estrada... Será que só alimentavam daquilo? Será que o carro chegaria ao destino?
Ainda deu tempo para umas fotos, para encontrar uma chave de bocas do tempo da Jugoslávia, para interagir com uns canitos muito giros que deambulavam com o rebanho de ovelhas... Budva, estava quase!
Apesar da estrada agora ser principal, valeu a pena; deixamos o nosso túnel verde (ou de verde, como quiserem), desembocamos numa estrada maior, dessa, noutra ainda maior, tipo via rápida, mas com curvas apertadas e bom piso. Está visto, vá de acelerar e de ter cuidado para não rapar as orelhas no asfalto das curvas, mas curtir muito, muito, muito. Talvez um pouco de velocidade a mais, mas... foi um excelente petisco, valeu. Paragem apenas para fotografar a baía de Budva. Cá de cima, linda!
Budva, vista cá de cima
Mas ao contrário de ser fillet e do que aparentou lá de cima, era merdett! Uma localidade só turística, com a praia dos típicos seixos cobertos de areia, com palhotas na praia, com bares em cima da água, cheia de turistas, urbanizações, prédios e construção, descaracterizadíssimo... Fillet?!? Nem as belíssimas Montenegrinas vimos...
Ficamos ali um bocadinho, vimos pouco mas o suficiente para decidirmos seguir, ao contrário do plano inicial que era ficar por ali e tentar descobrir alguma coisa mais ao estilo do que vínhamos sendo habituados. Olhamos para o mapa, na busca de alternativas perto e resolvemos procurar o caminho para uma pequena localidade, junto ao Adriático que com dificuldade conseguíamos ver o nome no mapa: Big...ovo?
Mas valeu e se valeu a pena!
Bigovo ou Bigova é uma aldeiazinha onde não se passa nada, com uma pequeníssima praia de seixos e plataformas de cimento e um minúsculo porto piscatório com meia dúzia de barcos, com uma água transparente que entra pelas ruas e campos adentro, como se fosse um rio, deixando ver peixes e fundo como se tivesse apenas um palmo de água. Lindo! Valeu a pena abandonar Budva porque aquilo sim era o fillet que nós sempre procurámos no Montenegro!
Arranjamos quartos, dois apartmány com vistas magníficas sobre a baía, vestimos os calções e fomos a correr para a água, mas... bolas, que gelo! Estava tão magnífica e transparente quanto gelada e com dificuldade fomos ao banho, mas fomos. Não todos, mas muitos. Com direito a... imitações.
Ficamos por ali...
No caminho para Bigovo... |
O pôr-do-sol foi magnífico e, para ajudar a espantar o frio, lançamos seixos para que saltassem na água, como se tivéssemos 5 anos novamente. Agora com a mão esquerda, agora com a direita e lá se acabou o sol, foram-se "as imitadoras" e o calor e caiu a noite.
Imitações? "Imitadoras"? Consegui espicaçar-vos a curiosidade? Foi? Então conto...
Quando estávamos no vai-não-vai à água, irra que está fria, agora é que tem que ser mesmo e foi, reparámos em duas moças que, além de olhar intensamente, tentavam imitar os sons da nossa fala. Claro que como bons portugueses, num país em que nem sequer sabiam onde era Portugal ou se existia, estávamos mais que à vontade, a falar em altos berros, quase despudoradamente, sem qualquer risco de sermos compreendidos. Errado... Fomos. Eram da Sérvia. Uma loira, outra morena. Por agora, ficou assim.
Fomos ao banho quentinho, sentámos, pé no varandim, a apreciar a vista, a localidade, as pessoas. A falar daquele dia, a equacionar o dia seguinte...
O jantar foi num dos dois restaurantes abertos por ali e... fomos a um, o outro era um dos melhores do Montenegro, disseram-nos depois. Nada a declarar que o escolhido também era bom e tudo bem a não ser o pagamento ao empregado que se queria ir embora e que com a pressa se esqueceu de nos dar o troco. Esperamos... Esperamos... Esperamos... E esperamos... Até que resolvemos ir falar com os donos que aparentemente não sabiam o que se passavam e que, julgando-nos a fazer sala apenas, já amaldiçoavam a hora em que tínhamos acampado ali... Um telefonema para o empregado e um pedido de desculpa depois e tínhamos o troco e o convite para ficar sentados se quiséssemos a noite toda naquela maravilhosa esplanada.
Entretanto "as imitadoras" – não consigo reproduzir os seus nomes – foram para ali jogar cartas com um amigo, sempre a olhar e a sorrir, até que, quando nos levantamos e já na rua, nos abordaram e vieram perguntar se éramos portugueses. Dissemos que tinham acertado. Resumo: uma delas tinha estado em Lisboa e reconheceu a fala. Ena, ena, alguém que sabe onde ficava Portugal, reconhecia-nos como portugueses e que até lá tinha estado. A primeira vez nesta viagem!
Ficamos um bocadinho à conversa, mas estávamos cansados. Bem... estávamos era com assuntos bélicos a mais... sobre a guerra dos Balcãs, se se lembravam, como tinha sido e as bombas e os tiros e os buracos dos tiros e onde estavam e o barulho das bombas e os tiros e a guerra e...
O resto conta-se rápido e ainda que não por ordem cronológica, foi: espalhei-me à chegada a Bigovo numa curva apertada – era a queda ou a água do mar. Pisca partido e pouco mais. Entra seixo, sai brita... E a guerra pá?!?
E fomos dormir. Os restantes que alguns já tinham ido.
Mais um dia em cheio no Montenegro!
P.S. – eram giras.